MARAVILHOSA GRAÇA

por Aguinaldo C. da Silva

 

 

Estamos vivendo no tempo profético representado pelos dedos da estátua do capítulo 2 de Daniel, ou seja, nos últimos dias da história deste mundo. Contudo a realidade de muitos cristãos não tem espelhado uma vida de vitória espiritual e em virtude disto se torna um tanto difícil contagiar as pessoas com o amor de Cristo. Parece que a exemplo do antigo Israel  estamos dando voltas no deserto sem avançar progressivamente rumo a Canaã.

Ao meu ver este quadro mudará quando colocarmos a mensagem da graça ou da justificação pela fé no centro de nossa pregação, isto trará um reavivamento ainda não experimentado pelo nosso povo.

A salvação pela graça está no âmago do evangelho. Jesus pregou a graça em muitas parábolas, entre elas destaco: o servo perdoado, os trabalhadores da vinha, o filho pródigo. O caso do ladrão na cruz também nos dá um vislumbre especial desta verdade.

Parece ser difícil a nós compreender esta mensagem, por estar arraigado em nossa cultura o conceito de que devemos merecer tudo que recebemos; por exemplo: uma pessoa trabalha 35 anos para depois receber a aposentadoria, um estudante se esforça anos a fio  para depois receber o diploma. Já o reino de Deus não é recebido por merecimento, é uma graça. Graça é uma dádiva imerecida, algo que jamais poderíamos alcançar mesmo que para isso dispuséssemos toda nossa energia e todo o tempo disponível exclusivamente para tal. O termo merecimento deve ser excluído quando se trata do Reino dos Céus. Jesus oferece os seus méritos para cobrir-nos diante do Pai. Parece ser uma coisa injusta, mas a graça não tem a ver com justiça e sim com misericórdia. Cristo recebeu em nosso lugar o castigo pelos nossos pecados cometidos, nosso senso de justiça indica que deveríamos receber Seus méritos caso alcançássemos todos os requisitos da santidade divina. Mas não é assim que Deus age ao salvar pessoas como o ladrão na cruz. Isso também é exemplificado na parábola dos trabalhadores, quando o senhor da vinha paga o mesmo salário tanto para quem chegou na décima primeira hora quanto para quem trabalhou o dia todo. Philip Yancey comenta: “Deus concede dons e não salário. Se fôssemos pagos com base na justiça, todos iríamos parar no inferno.” 1

Na parábola do filho pródigo o pai cobre seu filho com Suas vestes,  ainda quando este fedia a porco. Muita gente diz: Bom, vou endireitar minha vida para então me entregar a Deus. A verdade é que esse dia nunca chega, e mesmo que pareça chegar isso não valeu nada. Deus lhe diria: “Você tentou em vão querer se parecer bom diante de mim e assim  impediu que Eu lhe salvasse.”

Jesus disse certa vez que entraram dois indivíduos na igreja (Luc.18:10-14), um considerava que já havia conseguido muita coisa no campo da santificação: não ser roubador e adúltero, jejuar, ser fiel no dízimo, etc... Porém havia outro que simplesmente declarava sua indignidade e clamava a Deus por misericórdia. Jesus concluiu que o último subiu para sua casa justificado e não o primeiro. Yancey novamente comenta: “A maturidade espiritual é revelada não pelo sentimento de quanto você está puro, mas sim, pela conscientização de sua impureza e indignidade. Essa consciência abre a porta para a graça.”2 Para recebermos a graça divina devemos estar de mãos vazias, despojadas de qualquer sentimento de auto justificação. 

Ao dar o coração a Jesus somos salvos pela graça mediante a fé (Efésios 2:8). Cristo nos cobre com Sua justiça e vale à pena dizer que quando Jesus cobre Ele não faz uma “meia sola”, Ele cobre completamente. Neste momento ficamos livres de qualquer condenação e em paz com Deus (Rom. 5:1; 8:1; Col. 1:22; João 5:24). Também passamos a ter nossos nomes escritos no livro da vida (Filip. 4:3; Heb. 12:23; Luc. 10:20).

Hoje ao apropriar-nos da graça divina somos tornados justos e santos diante de Deus (I Cor. 6:11).  Mesmo que a santificação ainda não seja completa, o crente já é considerado perfeito para Deus, isto é,  salvo hoje mesmo ainda que suas obras sejam deficientes, ou seja, ele ainda está subindo gradativamente na escada da santificação, mas salvo.

A salvação é estabelecida por mantermos um relacionamento vivo com Deus. Isto nos põe sob o vínculo da graça, onde temos uma vida inteira perdoada, não precisamos andar ansiosos por causa da insuficiência de nossas obras.

A pessoa que procura se justificar diante de Deus nunca consegue sentir-se perdoada e aceita por Ele, mas tem sentimentos de insuficiência e fracasso. Lutero enquanto monge passava seis horas torturando o cérebro para confessar os pecados que poderia ter cometido no dia anterior. Ele escreveu:

Embora vivesse uma vida imaculada como monge, sentia que era um pecador com uma consciência inquieta diante de Deus. Quase não podia acreditar que o tinha agradado com minhas obras. Longe de amar esse Deus justo  que pune os pecados, eu realmente o maldizia. Eu era um bom monge, e obedecia à minha Ordem tão seriamente que, se um monge pudesse chegar ao céu por meio da disciplina monástica, eu era esse monge. Todos os meus companheiros no mosteiro podiam confirmar isso... Mesmo assim minha consciência não me dava a certeza de que eu precisava. Ao contrário. Eu sempre duvidava e dizia: “Você não fez isso certo. Você não foi suficientemente contrito. Você deixou aquilo fora de sua confissão”.3

 

A graça de Deus não é um ponto áureo a ser alcançado, mas um vínculo mantido com Ele a partir da conversão. Devemos estar conscientes que dependemos da graça de Cristo não somente para receber o galardão final, mas para obtermos a vitória sobre o pecado a cada dia. Por isso devemos ter a consciência de que ao sermos alcançados pela graça, temos a obediência a Deus  como um fato resultante da interação com Cristo. O contrário disto leva a uma posição legalista ou de justificação pelas obras, situação que foi muito condenada por Jesus quando estava aqui na Terra. Jesus usou os piores adjetivos para os religiosos de sua época, tais como: serpentes, raça de víboras, hipócritas, condutores cegos, sepulcros caiados. Porque eles se preocupavam apenas em ser bons, mantendo as aparências, cuidando do exterior. Se vangloriavam ao serem notados por sua piedade. O legalismo faz com que caiamos da graça (Gal. 5:4). Não ser autêntico é uma das coisas que mais irrita a Deus.

A correta compreensão de como somos salvos e de como a graça atua em nossa vida faz-nos exercer a fé de modo positivo. O fato é que podemos estar patinando na vida espiritual e até nos colocando à margem da salvação por alimentar conceitos que nos isolam da graça. Passei a infância e a juventude acreditando que minha salvação se efetivaria, se fosse constatado numa avaliação futura, um alto grau de piedade em minhas obras. Depois de muitos anos notei que poderia me considerar aceito no Reino de Deus, que a graça é dada não em função de merecimentos. Tendo a consciência do amor de Deus por mim e de que estou perdoado e aceito por Ele hoje, consigo só assim, perdoar aos outros, me livrar dos ressentimentos e mágoas. Esta consciência também contribui para que eu não seja um cristão apático, frio, intolerante e amargurado.

Longe de pensar que a graça signifique licença para pecar (Rom. 6:1), eu devo pensar que sou uma criança caminhando e sendo segurada pelas mãos de Jesus, que posso resvalar e até cair várias vezes mas isto não significa derrota, se eu mantiver apegado às Suas mãos. O diferencial que marcou homens como: Jacó, Davi, Salomão, Pedro e outros, é que eles não desistiam de Deus, apesar das quedas. A diferença entre o ímpio e o filho de Deus é a seguinte: Para o cristão o pecado é um acidente de percurso, ele não vive com o intuito de pecar mas de viver em santificação,  enquanto o ímpio peca porque ama o pecado, este faz parte de sua vida cotidiana, está arraigado em seu coração.

A santificação só poderá ocorrer quando eu amar aquele que criou os mandamentos e reconhecer que é Ele que produz em nós o aperfeiçoamento ou crescimento (Filip. 2:13; Tito 2:11,12, Col. 2:19). Enquanto eu tentar guardar os mandamentos como se fossem um fardo ou obrigação, jamais poderei interagir plenamente com o trono da graça.

Enquanto a graça não for um fato em minha vida, não me sentirei à vontade para testemunhar aos outros que em Jesus há um porto seguro.

Enquanto não incendiarmos a igreja com esta mensagem iremos dar muitas voltas sem vermos as prometidas chuvas do Espírito Santo recaindo sobre Seu povo.

Que Deus lhe abençoe, caro leitor, a viver e pregar a suma do evangelho !

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.      Yancey Philip, em Maravilhosa Graça, Editora Vida, 199, pág. 62.

2.      Idem pág. 208

3.      Lutero: citado por Karen Aemstrong, A History of God, New York, Alfred A. Knopf, 1974, pág. 276.